Nunca pensei que escreveria sobre a morte. Quer dizer, como jornalista, é óbvio que frequentemente estaria relatando a perda de pessoas desconhecidas (de preferência de modo bem frio e sensacionalista como a mídia costuma fazer em sua faceta mais nauseante), descrevendo passo a passo dos últimos momentos de uma vida, resumidos em uma página fria de jornal que seria usada para embrulhar o peixe estragado de uma feira qualquer ou limpar algum traseiro, na falta de papel higiênico.
Ontem perdi um caro amigo. Christian. Estudou comigo no colegial e fez parte da melhor época da minha vida. Assassinato. Quando soube, a primeira reação que tive foi a revolta. Como poderia um simples bandido, desprovido de qualquer senso e amor pela vida, um Zé Ninguém tirar a vida de uma pessoa que mal começá-la? O Chris não tinha nem seus vinte anos, poxa. Depois veio a impotência. Comecei a observar as muitas reações das pessoas que o amavam, vi parte delas organizando até uma passeata contra a violência, mas a verdade é que nada disso pode trazê-lo de volta. É bobagem acreditar que algum senso de justiça preencha o vazio que um ente querido pode deixar.
Eu não sei como é a morte. Pra falar a verdade, nunca tinha pensado sobre ela. Via pessoas próximas morrerem ao meu redor, mas ninguém que fosse da minha idade. É estranho. Me senti da mesma forma quando tinha 12 anos. Eu era a única a não ter dado o primeiro beijo e ficava inquieta com o fato de minhas amigas já terem experimentado algo que eu nunca havia feito. Eu sei que, assim como o Chris, um dia eu terei meu encontro – e quem sabe até o primeiro beijo – com a morte. Mas ainda estou a pensar nela.
Acho que a morte é o início não só de uma vida que se findou, mas da vida que ficou. Porque, apesar de tudo, a morte de alguém marca o início de uma série de pensamentos, reflexões, voltas ao tempo necessárias para o amadurecimento de qualquer ser humano. A morte do Chris me fez voltar no tempo em que eu ainda usava uniforme, chorava escondida no banheiro, tinha aparelho nos dentes e era a garota mais altiva do universo. Me fez ter saudade de pessoas que não estão mais presentes, mas estão aí fora pulsando seus corações e arrancando sorrisos de outras pessoas. Mais do que nunca, estou louca para revê-las.
Ainda acredito que a vida das pessoas fala por elas mesmas. O legado é uma forma de vida e me parece ser quantificado na mesma proporção que a saudade. Eu estou com saudade do Chris. Estou com saudade dos velhos tempos, das antigas amizades. Da antiga Juliana (que ainda vive dentro de mim, altiva e escondida em algum lugar – talvez chorando em algum banheiro de escola).
“O que significa perda, se torna sinônimo de volta a si próprio”.
(Lou Salomé).