Mês: fevereiro 2012

Luis

Com 22 anos, o garoto saiu de casa. Viu-se livre da submissão da mãe e da ironia deprimente do pai. Enfim apaixonou-se por São Paulo. Virou fotógrafo. Registrou marchas pela liberdade de expressão, marchas pela legalização da maconha, marchas pelos direitos dos homossexuais. Registrou também famílias no parque Ibirapuera, mendigos dialogando com graffitis e a impaciência dos trabalhadores no metrô da Sé. Mas a coisa que mais gostava de fotografar era o corpo de Bianca. Gostava de observá-la sem que ela percebesse. Reparava no modo como suas costas nuas se contraíam quando despreguiçava pela manhã e como os poros de sua pele se arrepiavam toda vez que bocejava.

Um dia, após terem transado e fumado dois cigarros cada um, Bianca perguntou:
– Que tipo de coisa você se negaria a fotografar?
A jovem estava sempre fazendo perguntas, mas essa não fora respondida tão facilmente.
– Hum…Não sei dizer, Bia… – acendeu outro cigarro e ficou instantes em silêncio – acho que nada
– Nada? Nada mesmo?
Luis pensou mais um pouco e chegou a uma resposta.
– Tem sim uma coisa que eu nunca fotografaria
– Já sei: eu de roupas – disse Bianca despertando riso no rapaz
– Bem lembrado, mas além disso, não fotografaria alguém chorando
– E por que não?
– Sei lá, acho que o choro é a única coisa que o ser humano realmente tem de próprio
E era mesmo. Tanto que Luis não conseguiu chorar quando Bianca o deixara. Ao invés disso, pegou sua câmera e saiu às ruas com um sentimento revoltante no peito. Enquanto seus braços atropelavam algumas pessoas – que reclamavam pela agressividade do rapaz -, ele sequer hesitava.
Estava procurando um alvo, avistado rapidamente: uma mulher que estava sendo despejada de sua casa, chorando abraçada à uma televisão e procurando com medo uma chuva no céu. Ao lado dela, uma sala arrumadinha, no meio da calçada, com sofá; duas poltronas; mesas de centro, tapete, vaso e pufe. Crianças mascando chupetas, implorando paredes. Marido não tinha. Cachorro nem. O caminhão do despejo levava tudo. Luis dirigiu-se àquela cena. Apontou sua câmera para o rosto da mulher, ajustou o fotômetro e o foco. Sentiu suas mãos tremerem. A mulher, desolada, lhe lançou um olhar. Nada disse, apenas continuou a chorar e olhar de modo penetrante para a lente de Luis. Sua mão tremia ainda mais. Rodou o filme com o polegar esquerdo, colocou o indicador no obturador, relaxou os ombros, se preparou para fotografar.

Nota: texto inspirado, em partes, no livro “100 histórias colhidas na rua”, de Fernando Bonassi. Apenas um devaneio.