O último dia do ano

Ainda que alguns raios de sol lhe invadiram os olhos, não quis se levantar. Esticou os braços até a cômoda para olhar as horas, o relógio marcava 11h14. Ouviu sua mãe do lado de fora do quarto falando ao telefone sobre os preparativos do último dia do ano.

Levantou-se, deu um bom dia mal humorado à ela e foi ao banheiro urinar. A urina escorreu quente por parte da virilha, fazendo com que a menina fechasse os olhos com prazer e alívio por realizar tal ação. Lavou o rosto, olhou-se no espelho. Fitou-lhe os próprios olhos por um bom tempo. Fazia tempo que não parava para se olhar. No reflexo, nada havia mudado. Voltou a lavar o rosto, passou a água pelas mãos e as notou quentes. A mão direita passeou levemente pela esquerda, fechou os olhos tentando imaginar que esse gesto estivesse sendo feito por outra pessoa. Abriu os olhos e sentiu-se envergonhada diante de si. Sorriu para o espelho com certa amargura, não se convenceu.

Não tomou café da manhã, lavou algumas roupas e arrumou a casa. Almoçou macarrão com molho branco. Tomou mais coca-cola do que comeu. Ligou o computador e acessou as redes sociais. Visitou alguns perfis, reparou em algumas vidas. Contestou a veracidade de alguns sorrisos. Chorou diante do monitor. Contou 755 amigos, alguns “like’s” e insomáveis ausências. Cansou de ver esboços de pessoas, desligou o computador. Pensou na impotência das imagens e no amor que as pessoas possuíam por essas.

Voltou ao espelho e ficou a ajeitar uma gravata imaginária; contraiu os lábios de modo nobre; franziu as sombrancelhas; fechou e abriu os olhos. Voltou a ser quem era(dessa vez, sem nobreza nos lábios e sombrancelhas).

Do lado de fora da casa, um barulho: o labrador brincando novamente com o velho pano de chão. Esboçou um sorriso, olhou para fotografia do cachorro que estava em cima da mesa de centro, sorriu para ela também. Sentiu-se tão vulnerável quanto os perfis da internet, aqueles, amantes da imagem. Pensou melhor, deixou de sorrir para foto, voltou a observar o cachorro.

Queria começar o ano fazendo jus ao novo, mas nem o esmalte velho retirou das unhas. Tomou um banho, arrumou-se o máximo que pôde. Escolheu a roupa mais bonita; prendeu parte dos cabelos com um arranjo em forma de flor. Passou batom vermelho de tom sêco e saiu com sua mãe para jantar na casa de alguns amigos da família.

O jantar passou rápido, o vinho acelerara o tempo da noite. Começou a ouvir os fogos às 23h51, achou injusto, não queria abraços antes da meia noite.

Voltou para casa, levou  ao porteiro um pedaço de torta de limão que havia sobrado das sobremesas. Antes de dormir, fuçou a velha caixa de fotografias. Conseguiu até sentir o cheiro das flores de cerejeira estampadas por ela toda. Não chegou a ver todas, as guardou novamente e deu a primeira dormida de 2012. Não sabia se o mundo acabaria mesmo naquele ano, mas, de qualquer forma, não se importava. Estava feliz em não ter o que perder.

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