A espera parecia nunca acabar. Mesmo sendo veterana no ramo que trabalhava, a garota de programa sentia a cada transa a angústia pelo tempo, escondida no meio de tantos gemidos, bolo de cabelo misturado com saliva e barulhos da penetração.
Cinco da manhã, seria o último cliente da noite. Homem gordo, barbado, fedendo catinga e cigarro. A garota tratou de vestir a máscara da sagacidade, contraiu os ossos e os lábios. Estava pronta para mais uma. Em quinze minutos o gordo já havia gozado. Deu graças à Deus por isso. Ganhou de gorjeta alguns trocados, além de virilhas assadas e mais rígidas. Não via a hora de sair daquele quarto, ir para casa tomar um banho e dormir.
Enquanto isso, Marta, uma mulher de 40 anos e de classe média, encontrava-se em seu quarto na mesma angústia, à espera de Marcos, que estava de “plantão” naquela madrugada. Tomou alguns remédios para dormir, mas não conseguiu. A cada estalo vindo de outros cantos da casa, Marta se levantava da cama para ver se o marido havia chegado. Finalmente, ela adormeceu.
Após vestir-se, Helena partiu em direção a sua casa. Com passos largos, caminhou pelas ruas contemplando a beleza dos bares noturnos pela manhã. Viu um homem saindo para fora de um deles, estava com a camisa social para fora da calça. A garota de programa colocou a mão em forma de concha sobre a testa para proteger seu rosto do sol e observar melhor aquela cena. Viu também uma mulher de cabelos encaracolados entrar pelo mesmo bar com um balde de água com detergente e um pano pendurado nos ombros. Sua observação fora interrompida por uma senhora.
– Minha filha, já são sete horas?
Helena demorou a responder.
– Não sei dizer, senhora – e partiu em direção a um mercado do outro lado da rua.
Marta, apesar de ter demorado a pegar no sono, não demorou a levantar. Não tomou café da manhã, não passou maquiagem, apenas vestiu suas roupas, colocou um óculos de sol para lhe cobrir a olheiras e foi até o mercado fazer as compras da semana.
As primeiras coisas que colocou no carrinho foram legumes e verduras. Depois, dirigiu-se até o corredor de cosméticos, onde notou Helena olhando para o rótulo de alguns xampus. A garota, percebendo que estava sendo observada, disse:
– Sinto decepcionar a senhora, mas ainda não estou à venda
Marta nada respondeu e afastou-se com raiva e rapidamente de Helena, que disse em seguida para si mesma:
– Só à empréstimo
Ao final de sua pequena compra, a garota caminhou até uma banca de jornal. Prometeu a si mesma que não compraria mais nem um maço de cigarros, mas enganou e convenceu-se que o dia estava propício para algumas tragadas.
Enquanto esperava pelo troco, analisou alguns títulos da primeira página de um jornal e observou outra cena: um rapaz de chapéu fazendo meninas de sete anos rirem com suas mágicas. Helena sorriu apenas com o canto dos lábios, quando ouviu o estalo de um beijo. Helena olhou para três rapazes que o enviaram e eles começaram a rir entre si. Desfez o sorriso e continuou a caminhar até sua casa.
Chegou na portaria do seu condomínio, subiu pelo elevador com a cabeça apoiada em uma das paredes. Estava cansada. Mal avistara sua porta e já imaginava-se dentro do apartamento, ligando o chuveiro para que a água esquentasse enquanto se despia.
Já na banheira, decidiu não molhar os cabelos. Apesar de eles estarem um pouco oleosos, apenas os prendeu para trás, deixando que parte da franja incomodasse o piscar do olho esquerdo. Olhou para suas mãos ficando enrugadas, as passeou pelas duas coxas, indo de encontro com a vagina (que também estava um pouco enrugada). Tentou dar o mínimo de prazer que ainda restava para si, não conseguiu. Sentiu-se frustrada, desistiu da masturbação, desistiu do banho.
Saiu da banheira, nem enxugou-se. Molhou o chão do trajeto até um quarto com poucos móveis: um armário explodindo de roupas, uma mesa de cabeceira, uma cama e um quadro do Chaplin em “Tempos Modernos” pendurado ao fundo. Jogou-se no travesseiro, dormiu até o anoitecer.
Às sete da noite, Marta já havia praticamente terminado o jantar. Enquanto o feijão terminava de ser cozido, acendeu um cigarro e ficou a observar a vista de São Paulo pela janela da cozinha. Ouviu um barulho de porta abrindo e fechando vindo da sala. Marcos parou diante da porta da cozinha.
– Pensei que hoje você também estaria de plantão – ironizou Marta de costas para Marcos.
– E eu pensei que você estaria feliz em me ver para o jantar
Marta não respondeu. Marcos caminhou até ela tirando um pacote de presente de uma sacola que carregava.
– Toma, abra o pacote. Sua mãe me disse que você estava louca por um desses
A mulher não olhou para o marido e muito menos para o pacote. Soltou a última tragada do cigarro dizendo:
– Sinto desapontar você, Marcos, mas eu não estou à venda
Marcos saiu da cozinha levando o pacote consigo. Marta disse em seguida para si mesma:
– Nem à empréstimo